Sons na noite.
Não os provocados pelo gatos, essas criaturas que tem um pé em cada mundo.
Não os provocados pelas folhas secas levadas pela brisa noturna.
Não os provocados pelo madeiramento da casa, acomodando-se.
Nem tampouco a água nos canos. Ou a descarga.
Ou ainda alguma coisa que deslocou-se no porão das casas mais antigas. Não.
É alguma coisa diferente.
As crianças sabem.
Alguns adultos também.
São as lendas dos bichos papões que povoam o imaginário do homem desde tempos imemoriais.
Lembranças atávicas, inconsciente coletivo, como diz Jung.
A associação desses sons da noite, inexplicáveis povoam os sonhos das crianças e dos adultos mais sensíveis.
Mas, o que provoca esses sons?
Sabidamente é a atividade de alguma coisa que se movimenta pela noite. No escuro. Nas noites de luar.
Nas noites que não tem luar.
Adquirem esses sons uma umidade pegajosa quando chove.
Adquirem uma plasticidade nervosa nas noites frias e secas.
As criança, recolhidas na noite imensa que cobre todo o mundo, sentem.
No
silêncio tenso das horas mortas, algo anda pelas ruas, pelos jardins,
pelos quintais. Algo chega até a veneziana, algo toca nos vidros,
movimentado-os tenuamente nos caixilhos.
Os caes ficam quietos. Os gatos, esses de há muito foram para outros lugares.
No decorrer do Tempo, inumeras criaturas de sonhos passaram a povoar o imaginário popular.
Algumas são muito antigas, como o Versipélio de Roma.
Outros atravessam a Idade Média, como as Bruxas.
Outros
ainda nascem no folclore como a Maria Bambá, e outros ainda aparecem
nos tempos modernos, nas cidades, como as Lendas Urbanas.
Entre esses últimos, nascido nas sombras das ruas desertas e mal
iluminadas nos bairros antigos, entre terrenos baldios e mansardas
abandonadas, surgiu esse outro personagem de sonhos.
O Mostro do Assobio.
No
silêncio da noite, por vezes ouve-se um assovio fino, melódico,
variando as oitvas, cujo som por vezes está muito perto, por vezes
parece soprar de distâncias infinitas, que transpoem o Tempo, em espaço
estelares.
Não é possível, nunca, dizer exatamente de onde provem esse assobio, ocorrendo sempre em horas tardias.
O dia findou-se mais cedo.
Chovia. Há vários dias.
Quando
isso ocorre, fica no ar aquele presságio de frio úmido, e a umidade
escorre pelos muros antigos, acentua-se o silêncio, uma névoa fina cobre
as ruas, as casas, os espaços, deixando tudo com uma aparência de
sépia.
Entorno das lâmpadas da iluminação pública forma-se um halo o que parece amortecer ainda mais a intensidade da luz.
As meninas C_ e L_ encontravam-se no alpendre da casa antiga.
Essa casa havia sido construida acima do nível da rua secular.
A visão do ponto onde estavam era muito boa em relação a via, vários metros abaixo.
A
casa possuia um bosque ao fundo, e todas as demais casas do entorno
eram envolvidas pela vegetação luxuriante, a qual aumentava muito a
umidade, o frio e tornava mais tênue os sons da noite.
A casa estava quieta em seus movimentos domésticos.
Luzes apagadas, e
toda a atividade naquele momento consistia na contemplação da rua
molhada, refletindo as luzes fracas da rua, e de uma ou outra casa na
vizinhança.
Em um dado instante, quando a bruma evolava baixa, lenta, pegajosa, o som agudo de um assobio varou a noite de cores esmaecidas.
As jovens mais ficaram tensas, amedrontadas, pois de algum tempo circulava a existência da lenda urbana do Monstro do Assobio.
Essa visagem acompanhou-as pela infância.
Como para alguns adultos
e crianças, há um momento na vida, um instante sublime em que as
figuras de sonho assumem forma e aparência física.
E o que viram
do outro lado da rua, entre as sombras e bruma, foi uma forma, tal como
um cone cinza, opaco, de dois metros de altura, cuja base não tocava o
chão.
Sobre um cone, à guiza de cabeça, havia uma esfera, lisa, da mesma cor do cone.
Estendia-se
dessa cabeça algo como um nariz, no formato que lembrou,
grosseiramente, uma clarinete, o qual era acionado em suas notas, por
dedos longos e finos como gravetos que partiam de braços, também muito
longos e finos presos ao cone cinza.
Essa visagem durou alguns segundos e depois amalgamou-se nas sombras intensas projetadas pelas árvores.
O som repetiu-se, agudo, e desfez-se como soi acontecer nas imagens oníricas.
Passado mais alguns instantes, as meninas levantaram-se e entraram em casa.
Tudo parece menos grave sob a luz elétrica.
Mas, em suas almas
ficou, perene, a impressão de haverem assistido a uma manifestação de
uma lenda urbana, que percorre as ruas vazias e soturnas. Uma
manifestação do sobrenatural.
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