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7 de mar. de 2018

Ainda era ontem - Cata Ossinhos (12)



O dia encerrou-se entre nuvens negras,
Raios e trovões.
O vento frio do Norte agitava as árvores.
Ao começar a chuva,
O som do Carnaval dos Animais foi-se.
Acabou a energia, a claridade da lâmpada foi dominada
Pela escuridão das horas e dos tempos.
Uma vela foi acesa no cômodo entre a penumbra
E os livros na estante.
No enlevo, no abraço da tempestade,
Sobreveio o sono, o sono mágico do
Cansaço.
Quantas horas passaram?
Seria já o outro dia quando os últimos espectros
Do sonho recolheram-se para as sombras?
A vela havia sido consumida até o fim.
Uma luz pálida começou a tingir os telhados ao longe.
Um luz pálida.
O sol nascente entre as nuvens de tempestade?
Não.
Era a luz da Lua, uma Lua enorme a devassar as trevas da noite agora silente.
Foi com essa luz possível olhar para o mostrador do relógio na parede.
E ainda era ontem.

Noite a dentro - Cata Ossinhos (11)



Nessa data no Carnaval de 1976, eu e o meu amigo Luiz Roberto Liberatti (1955-2015) caminhamos pelas ruas da cidade, desde a noite até a madrugada.
Por entre as sombras das árvores era possível ouvir ao longe as marchinhas que faziam as vozes nesses dias carnavalescos.
Após o desfile na avenida, a noite recolheu-se em silêncio, e somente o badalar do relógio da igreja marcava o compasso das horas.
Uma lua nova, tímida, escondia-se no céu de oeste, e pouco antes da Hora Neutra uma chuva fina, fria, principiou a cair.
Nas calçadas molhadas as poças refletiam as poucas luzes que se deixavam mostrar.
Com o colete e os cabelos molhados caminhei mais um bom tempo ao lado do meu amigo.
Conversávamos sobre a vida, como ela podia ser vista e encarada com vinte anos de idade, e também sobre os poemas de Fernando Pessoa, os Secos & Molhados, Beatles, Led Zeppelin, Pink Floyd, Gentle Giant e o Barril de Amontillado de Poe, e do que pretendíamos para as nossas vidas, em muitos carnavais perdidos lá no Futuro.
Despedimo-nos em um dado momento da madrugada alta e, quando cheguei em casa, a Aurora lançava as primeiras luzes sobre os telhados molhados.
E estamos por aqui, no Futuro daquele momento do Passado, aguardando uma Revelação, aquela que será a maior de todas.

Olhos das aranhas - Cata Ossinhos (10)



Quando a luz da lanterna equipada com uma lâmpada Kripton, que estava na mão do Edgar, incidiu sobre a grama no terreno aos fundos da fábrica de refrigerantes, centenas de pontos multicoloridos fizeram-se ver.
Algo mágico, surreal!
Não havia chovido e a noite estava em seu início impossibilitando dessa forma acúmulo de gotículas de orvalho.
Centenas de pequenos leds brilhando sob o foco da luz branca.
A imaginação vai a um tento instintivo naquelas situações nas quais o indivíduo se depara com o desconhecido.
Aproximamo-nos com cautela de um pequeno agrupamento dessas luzes mágicas.
A luz foi mostrando detalhes da grama, de pequenas flores, de gravetos, de folhas secas, a ossada de um pequeno animal, provavelmente um gambá.
Mais uma aproximação, e dessa forma já estávamos ajoelhados no chão que ainda refratava o calor do dia que havia partido ainda a pouco.
E conseguimos enxergar fascinados, o que provocava aquele espetáculo de luz na noite cálida.
Eram os olhos de pequenas aranhas de grama.

3 de fev. de 2018

A Permanência

Ao passar pelo umbral, o odor pungente de querosene queimado se fez sentir.
A sala encontrava-se escura e o piso com muitos detritos e poeira, reflexo dos muitos anos de abandono.
Dessa sala partia um longo corredor com várias portas.
A moderna luz led quebrava aa escuridão, afastando os fantasma.
Nesse corredor o odor do querosene queimado era mais intenso.
Caminhamos, eu e o meu amigo Z_ cautelosos, pois a história contada repetidamente através dos anos dizia ser aquela fábrica antiga, abandonada às intempéries e aos ciclos do Tempo dizia ser aquele local mal assombrado.
Restos de móveis, de maquinários, de caixas de madeira do estoque, de engradados, de garrafas, muitas ainda com o conteúdo em seus interiores, estavam por todos os lados e nos fazia tropeçar na penumbra do lugar.
Em uma esquina do prédio imenso, a qual levava para mais uma sequência de cômodos escuros, ao desviar o facho da luz intensa da lanterna para o teto, foi possível visualizar bem lá no fundo uma luz baça, amarela, vacilante.
Apaguei imediatamente a lanterna.
Tornamo-nos ainda mais cautelosos e fomos no aproximando com o maior cuidado possível daquela sala nos fundos da fábrica de onde esvaia a luz fraca.
O odor do querosene era ainda mais forte.
Até que divisamos o interior da sala.
Havia no local uma antiga escrivaninha lavrada em madeira, sobre a mesma um lampião a querosene e sentado em uma cadeira de espaldar alto estava o Velho.
Impossível não se impressionar.
Ele havia partido há tantos anos, o que estava agora a fazer por aqui?
- Ora, disse o meu amigo Z_ aos sussurros: " ... melhor ir penando aqui do que evoluir para lá ... "


Sempre é possível o livre arbítrio ao espírito.

30 de jan. de 2018

As irmãs

Naquele tempos pretéritos a velocidade da vida era outra.
Os indivíduos moviam-se no cenário do bairro, e em um determinado dia não apareciam para ocupar o seu lugar.
Partiram.
E essa sucessão de vida e morte era acompanhada com pesar e uma certa leniência, pois que, de uma forma ou de outra todos um dia partiriam para o mesmo destino.
As duas velhas senhoras eram conhecidas no bairro antigo como As Irmãs.
Eram remanescentes de uma tradicional família que em outras épocas haviam possuído uma olaria cujos tijolos estavam presentes na maioria das casas daquele setor da cidade.
Um dia a mais velha das duas não apareceu mais na janela do sobrado de esquina onde moravam.
Todos entenderam que a saúde precária da velha senhora a impossibilitava até mesmo aquelas aparições diárias na sacada.
Entre as frondosas árvores, nas sombras frias ao final dos dias, nas chuvas e nos ventos do inverno, nos dias cálidos do verão, nas festas tradicionais da igreja, os indivíduos foram se acostumando com a sua ausência, mesmo porque naqueles intervalos temporais uns e outros foram realizando a derradeira viagem sem retorno pela avenida.
A irmã mais nova, quase uma reclusa também, saia de casa em uma oportunidade ou outra para compromissos no banco e uma ou outra compra de gêneros no pequeno comércio local.
De certa feita, alguns anos depois da última aparição da velha senhora na sacada do sobrado, a irmã mais nova contratou os serviços de um negro velho que em outra oportunidade havia trabalhado na olaria da família até aposentar-se.
Esse senhor passou a realizar as tarefas de ir ao banco, comprar gêneros, ir à farmácia.
Mais um tanto de anos passou e essa rotina ficou consolidada na vizinhança do bairro antigo.
Os moradores mais antigos partiram e os mais novos que ficaram pouca atenção prestavam ao desenrolar dessa rotina cotidiana.
Casas foram demolidas, outras foram construídas, mais árvores foram plantadas, as calçadas antigas em certos pontos estavam tomadas de relva, como estava o jardim do sobrado da esquina, com o negro velho realizando as tarefas rotineiras e as velhas irmãs reclusas viraram uma espécie de lenda, mesmo porque aqueles que poderiam lembrar-se dos tempos antigos não estavam mais por aqui.
Um dia o velho negro não apareceu.
E não apareceu mais dia algum.
A sua ausência foi notada primeiro pelo merceeiro que fornecia gêneros.
Juntamente com alguns outros moradores mais antigos do lugar foram apurar e descobriram que ele também havia partido.
Formaram então uma comissão e dirigiram-se ao velho sobrado da esquina, imerso nas sombras das árvores, e no silêncio sepulcral naquele final de tarde.
Bateram à porta e ninguém atendeu.
Forçaram o portão do jardim que cedeu e aproximaram-se do alpendre.
Uma pesada porta de ferro decorada com vitrais, alguns partidos, dava acesso a uma ante sala.
Essa porta também não estava trancada.
Entraram. O ambiente estava imerso em sombras, com alguma luz baça vinda do poente que filtrava por vidraças empoeiradas.
Os móveis nesse andar estavam todos cobertos com lençóis empoeirado.
Havia a um canto uma grande estante com livros e um piano. O silêncio na penumbra era imenso.
Havia uma escada que levada para o andar superior.
O grupo apertou-se escada acima, chamando o nome das senhoras.
Não obtiveram resposta.
Ao final da escada empoeirada havia um quarto com a porta entreaberta.
Sentada a um canto em uma poltrona estava uma das senhoras, a mais nova, que foi imediatamente reconhecida pelo longos cabelos grisalhos.
Estava muito fraca e provavelmente nos últimos estertores devido aos longos dias de privação.
O grupo de antigos vizinhos antes mesmo de terem tempo para chamarem socorro notaram que em uma enorme cama antiga de dossel, como não se via por aí a uns bons cinquenta anos, estava deitada a outra senhora.
Ao aproximarem-se da cama a perplexidade de todos foi total.
O corpo estava coberto por uma massa de cobertores e mantas.
Sobre o travesseiro o que havia era um rosto totalmente descarnado, uma caveira empoeirada.

18 de jan. de 2018

O Conclave



- Uma ilha? Dentro da cidade? Como assim, uma ilha?
- Veja, de qualquer lugar que se venha a aproximar do lugar é necessário atravessar um curso d'água.
- Mas ...
- Ou o Córrego Antarctica, ou o Córrego Retiro Saudoso. Todo o espaço fica contido no início da Rua Industrial, e os prédios foram todos construídos obedecendo a orientação dos pontos cardeais.
- Não havia notado isso.

Desde o início do século passado que em uma sala semelhante a uma casamata construída rente a uma parede secular, com iluminação a querosene, e, mais tarde, por lâmpadas elétricas que a Ordem, por várias gerações, reunia-se lá.
A sala, com piso rebaixado e acesso por quadro degraus, piso esse xadrez com as paredes de cor salmão e amarelo colonial, tinha em uma dessas paredes uma grande prateleira abarrotada de livros, desde a Literatura comum, até compêndios científicos e iniciáticos.
Todos aqueles que por lá passaram deixarem seus nomes e encadernações onde constavam textos, ou em letra cursiva, ou datilografados sobre a experiência de cada um na Vida e na Iniciação.

Depois do final dos anos de 1980, quando os membros, menos dois, haviam falecido, e não aconteceram novos iniciados, os meus amigos G_ e o B_ continuaram com as reuniões, até que finalmente não havia mais ninguém.
O acesso ao local do conclave foi cerrado através de uma pesada porta de madeira, e assim permaneceu por um quatro de século.
Até que em um determinado dia ao final do ano de 2017, a casamata foi colocada abaixo.
Todos os registros e os objetos lá guardados perderam-se em meio ao entulho e escombros.

Durante muitos anos antes disso, corria a lenda a qual afirmava que em toda segunda feira, como era desde priscas eras, durante a noite eram observadas luzes cambiantes e escutava-se a entonação de cantos e conjurações vindas do lugar.
O pessoal do entorno que eventualmente circulava pela estrada que circundava o local do outro lado do rio afastava-se célere das imediações.
A ilha tinha fama de mal assombrada.

4 de jan. de 2018

A sala



Sob a força bruta da máquina, as paredes do velho galpão da fábrica foram cedendo paulatinamente.
Já no segundo dia de trabalho, os escombros acumulavam-se em uma grande pilha onde estavam tijolos, reboco, telhas, janelas, portas, madeiramento dos telhados.
Ao terceiro dia chegou a máquina até a sala da caldeira.
Após a remoção de todo o entulho amontoado em grandes pilhas no pátio para ser esparramado pelo terreno completando o aterro, vislumbrou-se uma segunda parede atrás da fornalha.
Essa parede dupla, que não podia ser percebida pelo lado de fora do edifício ocultava um espaço e, no piso desse local, havia uma pesada tampa de ferro no chão.
Pararam a máquina e dois operários munidos de pés de cabra, sob o olhar atendo do herdeiro e de outras pessoas que ali se encontravam, buscaram erguer essa tampa de ferro.
Após muito esforço, a peça enferrujada cedeu e foi encostada de um lado.
Logo abaixo, em uma escuridão de muitas décadas, foi possível ver o topo de uma escadaria de alvernaria.
Munidos de lanternas as quais foram providenciadas as pressas, descerram pelos degraus, entre paredes escavadas em alguns pontos sobre a pedra crua.
Após dezessete degraus chegaram até uma pequena sala subterrânea, com pé direito de dois metros. No local havia uma mesa de madeira entalhada, bem danificada pelo tempo, quatro cadeira de espaldar alto, uma luminária à querosene sobre essa mesa e um exemplar do Grimóiro.
Nas paredes, várias prateleira de madeira continham inúmeros recipientes de vidro, de várias cores, alguns ainda com líquidos e pós em seu interior. Entre a umidade e as infiltrações, os danos eram sensíveis e alguns livros que encontravam-se no local deterioraram-se ao simples toque.
Necessário ressaltar que esse cômodo, quadrado, tinha as paredes orientadas pelos quatro pontos cardeais.
Naquele momento o herdeiro decidiu proceder a uma investigação mais minuciosa e a seu pedido foi providenciada uma extensão elétrica para acionar lâmpadas mais possantes.
O exame da sala subterrânea demandou vários dias. Devido a chuva intermitente que começou a cair, uma lona foi providenciada para abrigar a entrada do recinto e uma busca minuciosa procedeu-se no local.
Foram convidados membros do Patrimônio Histórico e da Loja Maçônica local bem como o pároco da Igreja de Santo Antonio.
Na parede Norte do cômodo havia a fórmula de uma bebida, um refrigerante, escrita sobre um pergaminho com tinta nanquim, já bem deteriorado mas possível de ser lido o qual era denominado de "Elixir Beatitudinem", composto de substâncias raras, hoje de difícil obtenção.
Haviam inúmeros livros que dispunham sobre receitas de vinhos, licores, aguardentes, sorvetes, e ainda sobre Esoterismo e Alta Magia.
A iluminação do local era suficientemente provida por vários lampiões e a um canto havia uma larga chaminé que desembocava no alto do telhado, agora destruído, para o arrefecimento do local.
Ao ser removida a pesada mesa de madeira, a qual desmantelou-se em grande parte, havia sob a mesma um outro alçapão, também fechado por uma tampa de ferro.
Após a remoção da tampa, o interior revelou um cofre, também de madeira, e do seu interior foram resgatadas exatas 1953 moedas de libra esterlina em ouro.
Nos meses seguintes, cumpridas as formalidades legais, esse tesouro assim obtido passou para a posse do herdeiro, o que foi de bom alvitre pois que, mesmo destinando várias peças para o museu local, sobrou o suficiente para resolver demandas financeiras que cravavam a propriedade em questão,
Ao final, a conclusão dos historiadores foi de que em tempos remotos, talvez por volta do anos de 1920, 1930, aquele local era uma sala secreta onde iniciados reuniam-se para deliberar sobre estudos religiosos, esotéricos e em criar produtos os quais, uma vez no mercado, pudessem trazer prosperidade financeira e existencial aos seus participantes.
As datas foram apuradas através de livros atas das reuniões, os quais, em que pesem estarem em mau estado, possibilitaram um vislumbre de páginas ainda legíveis.
Todos os documentos foram doados ao Arquivo Histórico para reparação e futura análise.
Como tudo passa, sobre a porta do subterrâneo foi colocada uma laje, procedeu-se ao aterro do local com os materiais da demolição, e ainda mais terra vinda de alhures, e no local onde jaz a antiga fábrica de bebidas, hoje há um jardim e muitas árvores frondosas.

O convite - Cata Ossinhos (9)

- ... o seguro deseja mais informações para pagar o prêmio, disse o meu amigo.
- Mas ...
- Burocracia. Mas será necessária a exumação do corpo. Desejam um laudo mais circunstanciado sobre a "causa mortis".
- Depois de tanto tempo ...
- Pois é. Você irá acompanhar-me?
Na data e hora marcados dirigimo-nos ao cemitério.
Estava frio. Os últimos dias haviam sido de chuva e nuvens escuras passeavam pelo céu quando encontramo-nos junto à sepultura.
Haviam além do meu amigo e eu, dois coveiros encarregados da tarefa, o médico legista, o delegado de polícia com a ordem judicial em mãos e dois peritos da seguradora.
O trabalho dos coveiros demorou quase uma hora quando, sob uma chuva fina que voltou a cair, o caixão foi finalmente exposto à luz.
Havia alguma comoção no ar, ainda que houvesse já passado muito tempo da morte.
A autoridade policial determinou a abertura do ataúde para que o legista pudesse examinar o cadáver e dar o seu veredito técnico.
Naquele instante, a surpresa foi geral.
No rosto desfeito, uma caveira, com restos de cabelo, a mandíbula deslocada, entre muitos resquícios de flores, agora cinzentas, úmidas, quebradiças, brilhou por entre os escombros, um luminoso olho azul a fitar o céu!
De minha parte, recordei imediatamente o conto de Garcia Marques no qual, ao fazer a cobertura de exumações que estavam sendo realizadas no porão de uma antiga igreja, ao abrirem o caixão de uma jovem, morta quase dois séculos antes, uma massa imensa de cabelos ruivos espalhou-se pelo chão.
A visagem daquele olho azul espantou a todos.
O meu amigo, de cujo parente assistíamos a exumação adiantou-se até a borda do ataúde e explicou:
- A senhora. em determinado momento de sua vida tinha sofrido um acidente e, no lugar do olho vazado havia sido colocada uma prótese.

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