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25 de abr. de 2014

O Homem do Martelinho

Nariz adunco, pele morena, chapéu de feltro com a aba caída, calça cáqui, camisa clara. Jamais soubemos o seu nome. A tiracolo uma caixa de madeira envernizada, pendurada através de uma correia de couro.
Por dentro a caixa era revestida de folha de flandres.
Ao pedido de algum moleque com algumas moedas na mão, o Homem do Martelinho parava na calçada, desdobrava os pés da caixa, apoiava-a no chão, e logo em seguida a abria. O que acontecia em seguida era pura Magia!
Primeiro o cheiro e depois as cores dos doces acondicionados dentro da Caixa Mágica!
Doces "quebra queixo" com as cores evanescentes de Auroras e Crepúsculos.
Um amarelo cambiante, um rosa crepuscular, um branco pálido de cálidas nuvens prenunciadoras de chuvas vindouras.
O cigano, como o chamávamos, observava a quantia de dinheiro na mão do menino, perguntava qual o sabor de sonho desejado, sendo o sonho amarelo abacaxi, o sonho rosa morango, o sonho branco coco, e partia o doce, usando um cinzel brilhante e um pequeno martelo com cabo de madeira - pam, pam, pam - e em pouco tempo o freguês era dono de um mais pedaços de sonhos. A entrega do doce, seguro por um pedaço de papel de pão, como era chamado, completava o ritual.
Quando todos eram servidos, o homem partia para outra freguesia, que poderia ser na outra rua, ou em outro mundo, não sabíamos mas imaginávamos.
O Homem do Martelinho não aparecia todos os dias.
Também usou de qualquer artifício para chamar a atenção de sua presença tal como apitos, ou a repetição monótona anunciando qual produto era vendido.
Quando dava vontade de comer os doces coloridos, era somente sair para a rua, e lá estava o Homem parado na esquina da Travessa Tangará.
Em qualquer dia do ano, com qualquer tempo.
Muitos anos mais tarde, quando ao recordar dos tempos de antanho, alguém na conversa reparou que o Homem do Martelinho aparecia somente ao crepúsculo. Talvez fosse o momento que sobrava em sua faina diária passar por aquela rua naquela hora de já findo o dia.
Naqueles distantes anos, quando as esquinas da vida são muitas e o Vórtice do Tempo levou muitos amigos e recordações, e chuvas e ventos, invernos, primaveras, verões e outonos, no momento em que grande parte da Vida já se esvaiu para um refluxo sem retorno, as cores, os odores o sabor dos doces entremeiam os sonhos e a realidade pungente de se estar por aqui, quando tantos e tantos já se foram.
Em uma tarde fria de junho, estando a caminhar lentamente pela rua da minha distante infância, observando as casas antigas, a maioria delas remodeladas, muitas demolidas em cujos terrenos foram abrigadas outras construções, visualizei por um instante somente, através das cores que compunham o crepúsculo, o Homem do Martelinho envolto por uma luz tênue a cortar o doce, no mais absoluto silêncio, e entregando-o a um menino diáfano como ele em sua aparência, até que um ruído urbano desfez a cena etérea. Havia somente a rua mal cuidada, as casas, algumas soturnas, e uma brisa fria, trazendo poeira junto com a voragem do Tempo, que não para.

Um comentário:

  1. arrepiante Aristides! muito bom! parabens por essa e outras tantas. abraco, Carlo

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