Olegário foi o último freguês a deixar o bar.
Às suas costas o proprietário passou o ferrolho na porta de madeira.
De um lado e de outro da avenida deserta havia ainda algum luminoso de neon aceso.
Lá em cima brilhava a Lua. Estava na fase cheia e a sua luz prateava os telhados antigos na noite fria.
Olegária começou a caminhar devagar rumo a sua casa.
Estava sem pressa. As noites de sexta feira prenunciam o fim de semana.
E, sem pressa, foi caminhando pela via pública vazia de movimento.
Não tinha o hábito de beber, mas naquela noite em especial havia tomado talvez um trago ou outro, comemorando sozinho a elegia que havia composto sobre a vida.
Sobre a vida em geral, não sobre uma vida específica.
Sentia-se bem. Na verdade, sob o frio da noite aquele trago a mais havia sido bom.
Caminhou, e sob as árvores frondosas da avenida que levava até a praça, as sombras sucediam-se entre a vaga iluminação pública e a pálida luz da Lua.
Quando já se encontrava atravessando o caminho diagonal que cortava a praça, ele avistou o indivíduo.
Estava encostado em um poste de iluminação. Trazia um sobretudo e na cabeça um chapéu mole que lhe encobria o rosto.
- Tem fogo? perguntou o homem, quando Olegário cruzou com ele.
- Sim, tenho - respondeu e prontificou-se a acender o isqueiro. Imediatamente a chama brilhou e iluminou o rosto do solicitante.
Olegário deu um passo para trás, assustado com o que viu, ao mesmo tempo que sentiu um forte cheiro de putrefação.
E o que viu foi um rosto descarnado e pútrido, quase que somente uma caveira, com os ossos sujos, na imagem embaciada proporcionada pela luz da pequena chama do isqueiro à gasolina.
Olegário afastou a correr do local, procurando estar o mais longe e o mais rápido possível daquela imagem tétrica e inexplicável.
Correu e correu até chegar à sua casa, vários quarteirões daquele ponto.
Ele guardou a história dessa experiência por muitos anos até uma noite há pouco tempo passado, em um círculo muito pequeno de amigos contou a história a título de desabafo e para completar mais um poema sobre a finitude da vida. Olegário escrevia poemas simbolistas ao estilo de Augusto dos Anjos.
No outro dia, lendo o obituário de um jornal local, fiquei a saber do seu passamento.
23 de fev. de 2017
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